A estratégia utilizada por Piaget consistiu da observação de crianças durante a realização de jogos infantis (bolinhas de gude), pois as regras destes jogos são elaboradas pelas próprias crianças, diferentemente do restante das regras morais que a criança aprende a respeitar e que lhes são transmitidas prontas pelos adultos. Ainda, como em todas as realidades ditas morais, as regras do jogo de bolinhas se transmitem de gerações a gerações e se mantém unicamente graças ao respeito que os indivíduos tem por elas.
O interrogatório feito com as crianças investiga a respeito:
do conhecimento das regras - a criança deve ensinar o pesquisador a jogar, explicando verbalmente a ele as regras que adota, durante um jogo;
da consciência da regra - começa-se por perguntar à criança se ela poderia inventar uma nova regra, uma vez inventada pergunta-se: se a regra é justa? se é verdadeira? se é como as outras? etc; supondo que a criança negue tudo isto, faz-se a seguinte pergunta: "Quando você for grande suponha que terá contado sua regra para muitas crianças: todas jogarão talvez com ela e todas terão esquecido as antigas regras. Então qual será mais justa, sua regra que todos conhecerão, ou as antigas que todos terão esquecido?";
da origem das regras - jogou-se sempre como hoje? as regras foram inventadas pelas crianças ou impostas pelos pais e adultos em geral?
Do ponto de vista da prática das regras, Piaget identificou quatro estágios sucessivos.
Estágio motor e individual (de 0 a 2 anos), há apenas regras motoras, as bolinhas são manipuladas em função do desejo e dos hábitos, donde nada há de coletivo neste estágio.
O segundo estágio pode ser chamado egocêntrico (de 2 a 5 anos), neste a criança recebe do exterior o exemplo das regras já codificadas, mas apesar de imitá-los ela ainda joga sozinha (não se preocupa com os parceiros, nem mesmo procura vencê-los) sem cuidar da codificação das regras, uma vez que as mesmas não precisam ser compartilhadas.
O terceiro estágio, que aparece por volta dos sete ou oito anos, é chamado de estágio da cooperação nascente. Neste aparece a necessidade do controle mútuo e da unificação das regras, já que cada jogador procurará vencer seus parceiros. Mas ainda não há concordância sobre as regras gerais e cada um dá, quando interrogado, informações diferentes sobre as mesmas.
Finalmente, aos onze-doze anos aparece o quarto estágio. Neste há a codificação das regras. As partidas passam a ser regulamentadas com minúcia, e as regras a serem seguidas são conhecidas por todos.
Quanto a consciência da regra Piaget (1977) percebe outros três estágios que aparecem cronologicamente relacionados aos estágios percebidos quanto a prática da regra:
o primeiro deles vai até o decorrer da fase egocêntrica (24 a 30 meses de vida)- neste a regra ainda não é coercitiva, porque é puramente motora e é suportada, como que inconscientemente, a título de exemplo interessante apenas e não de realidade obrigatória;
no segundo estágio (apogeu do egocentrismo e primeira metade do estágio da cooperação - dois até 8 anos) a regra é considerada como sagrada e intangível, ela tem origem nos adultos, donde a sua essência é externa e, portanto, qualquer modificação no teor da regra é considerada pela criança como uma transgressão;
por fim, no terceiro estágio, a regra é considerada como uma lei criada pelo consentimento mútuo, cujo respeito é obrigatório se se deseja ser leal, mas é possível, todavia, transformá-la, à vontade, desde que haja o consenso geral.
Nos segundo e terceiro estágios existem dois níveis diferentes de respeito às regras: no primeiro deles a regra é exterior ao indivíduo e por conseqüência sagrada depois pouco a pouco aparece como consciência autônoma.
Piaget observou claramente que a consciência e a prática da regra evoluem com a idade, ele tentou explicar melhor esta evolução identificando se tais mudanças eram de natureza ou de grau. "Há, na criança, atitudes e crenças que o desenvolvimento intelectual eliminará, na medida do possível há outras que assumirão sempre maior importância; e, das primeiras às segundas, não há filiação simples, mas antagonismo parcial..." (1977:73), na verdade em dosagens diferentes os dois grupos de atitudes encontram-se nas crianças e nos adultos. Mas toda diferença de dosagem é uma diferença de qualidade global, donde, a partição do desenvolvimento psicológico em estágios é arbitrária. A autonomia não pode ser caracterizada como um estágio definido. Um indivíduo pode ter atingindo a autonomia no que se refere a prática de um determinado grupo de regras mas permanecer heterônomo com referência a outro grupo num outro plano de consciência e reflexão.
Edla Ramos
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